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Produção animal alternativa e o desafio da mudança de mentalidade

Juliana Vieira Paz

Augusto Hauber Gameiro

Ouvindo um podcast esta manhã sobre tratamento de dejetos de suínos e bovinos leiteiros em sistemas agroecológicos algo despertou minha atenção. O entrevistado, quando mencionava sobre a importância de se atentar ao custo da adoção de uma tecnologia principalmente em pequenas propriedades, sugeriu que pequenos produtores buscassem formas de crescer para que o custo fixo envolvido na adoção da tecnologia fosse diluído. Que rebanhos maiores possuem a vantagem de diluição do custo de investimento não é surpresa. Porém, essa é de fato a solução?

Em um movimento como o Agroecológico, que busca romper com o modelo vigente (e entende-se por “modelo” os aspectos técnicos, econômicos e sociais), faz sentido continuarmos propondo que os produtores se ajustem às tecnologias que hoje entende-se por serem as melhores? Ou é momento de nós, técnicos e pesquisadores, redirecionarmos nossas pesquisas, olharmos para os pequenos produtores e desenvolvermos métodos e tecnologias que façam sentido para pequenas produções? Os produtores que devem se adequar às tecnologias ou as tecnologias devem ser desenvolvidas de acordo com as necessidades dos produtores?

Esse pensamento não é exclusivo daquele entrevistado, porém calhou de ele ser quem falava e me fazia refletir. Desde a Revolução Verde, com o desenvolvimento e disseminação do pacote tecnológico, fomos ensinados que para produzir é necessário adotar todas as tecnologias propostas desde aquela época e as novas tecnologias surgidas ao longo do tempo. Do contrário, será uma produção atrasada, sem possibilidade de manutenção no mercado. Mais ainda, que tudo tem que ser em “larga escala” para reduzir custos unitários. Será que não percebem que isso é sempre um “tiro no pé” do próprio setor, uma vez que cada vez mais as escalas crescem e centenas de produtores são excluídos do jogo do mercado?

Existem alguns problemas envolvidos nesse modo de produção vigente até hoje. Primeiramente, ignora-se completamente a singularidade de cada propriedade. Não é curioso pensar que ainda acredita-se que uma única tecnologia é a solução para todas as propriedades de todas as localidades? Será que a mesma tecnologia que soluciona algum desafio em uma grande propriedade do Sul é a tecnologia ideal para uma pequena propriedade do Sudeste? Nem precisa ir tão longe. Basta ser uma propriedade vizinha a outra. Elas podem estar submetidas a condições climáticas bastante similares, mas a forma de organização, o objetivo de cada uma e outras características mudam. Em um dos livros de Ana Primavesi, ela diz que não faz sentido que duas ou três pastagens de fato sejam adequadas para produzir em todo o Brasil considerando todas as mais diferentes características presentes na diversidade enorme encontrada no país.

Já é sabido que este modelo de dependência exacerbada de insumos externos só é plausível para grandes produções e extensões de terras, que aos poucos adquirem mais meios de produção daqueles que não conseguem se manter na propriedade e vendem suas terras e animais para aqueles que podem comprar e escalar sua produção, como já mencionado. Observa-se que o pacote tecnológico, portanto, não atende de fato a grande quantidade de produtores; atende a indústria, que precisa vender toda a sua produção; e à elite, que busca sua manutenção no poder em detrimento dos demais atores da sociedade, desde as capitanias hereditárias.

Vende-se a ideia de que quem pode permanecer na atividade, permanece, quem não, sai e vende, como se fosse uma questão de saber ou não produzir da “forma certa” e prosperar na atividade, e não uma questão de planejamento para a manutenção da elite agrária e de exclusão de vidas humanas da sociedade. Assim, a alta concentração de terras e seu aumento nos últimos tempos não pode ser vista como algo “natural” ou uma tendência sem possibilidade de mudança da realidade por nós. Afinal, essa concentração de terras só ocorreu e foi possível por políticas governamentais e de mercado produzidas por humanos, como capitanias hereditárias, sesmarias, Lei da Terra e Revolução Verde, além da maioria das pesquisas desenvolvidas hoje serem voltadas para atender as necessidades deste grupo elitista de produtores e não a realidade majoritária da sociedade atual.

Entendido o processo de construção desse subconsciente coletivo fundamentado em políticas e ideias que só favorecem a elite agrária, voltemos a pensar movimentos “alternativos”, como a Agroecologia, nesse processo de resistência a este modelo vigente.

É nítida a dificuldade que temos em questionar o que aprendemos desde sempre. Na televisão “o agro é tech, o agro é pop”; nas universidades aprendemos apenas o movimento vigente (salvo raras exceções); e não somos muito incentivados a nos comunicar com outros profissionais de agrárias, o que seria essencial para questionamentos e uma visão ampla dos processos. Exatamente por isso é importante lembrarmos de nos questionar sobre tudo, por mais contraprodutivo que possa parecer ser, mas que, na verdade, é extremamente produtivo e o caminho mais sensato a seguir. Afinal, querendo ou não, o conhecimento que temos hoje foi construído em período com este inconsciente coletivo vigente, com estes conceitos enraizados dando a base para o desenvolvimento das pesquisas e pensamentos.

Por isso, não faz sentido continuarmos com a mesma persuasão de produtores disfarçada de extensão rural, deslegitimando todo o conhecimento prático e hereditário dos camponeses, com vista ao mesmo tipo de produção concentrada e especializada, porém com tecnologias que visam um menor impacto ambiental. A agroecologia e a sustentabilidade vão muito além de produzir com mais respeito ao meio ambiente, esta é apenas uma porção dela. A quebra de paradigma e do modelo produtivo vigente envolve questões culturais, sociais, éticas, econômicas, entre outras.

Convido a refletirmos sobre o que aprendemos. Precisamos fazer monocultura ou integrar diversas culturas seria mais inteligente do ponto de vista ambiental, econômico e social? Qual o conhecimento dos camponeses para isso? Qual o conhecimento acadêmico sobre isso? Como podemos construir, em conjunto, a melhor forma de produção para esta propriedade? A solução é de fato aumentar a produção ou rever as tecnologias desenvolvidas? Convido a tomarmos um caminho de mais reflexão e menos reprodução do modelo vigente.

Achar que vamos mudar um processo de 493 anos em pouco tempo é ilusório. Existem muitos que resistem ao fato de que o modelo vigente não se sustenta e é prejudicial a curto, médio e longo prazo nos mais variados quesitos. Aqueles que buscam participar de movimentos alternativos, encontram dificuldades de questionar, afinal, também fomos criados nesse inconsciente coletivo. Portanto é importante que nos encorajemos a conversar, refletir e questionar mais. Pequenos passos são importantes para uma mudança concreta, mas não podemos deixar que eles nos baste.


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